Thursday, December 27, 2012

1978 - Censura Estalinista

Jornal do Brasil


Data de Publicação: 6/9/1978

Autor/Repórter: Pauo Maia


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UM COPO DE CRISTAL E SUA LUZINHA AZUL



Conheci Cacá Diegues rapidamente quando participamos juntos, como convidados especiais, do Festival de Inverno de Areia, na Paraíba. Conversamos e o papo foi tão bom que terminei gostando de um filme dele de que não havia gostado quando da estréia (Joana, a Francesa). Agora, quando lança esse lindo Chuvas de Verão, Cacá denuncia os ''patrulheiros ideológicos'' que querem combater os "horrores do capitalismo" com internamentos em hospitais psiquiátricos. Novamente lúcido, Diegues ataca essa avalancha da disfarçada censura estalinista, numa entrevista de página inteira à critica Pola Vartuck, de O Estado de São Paulo.



A denúncia do diretor de Xica da Silva se mostra válida num momento em que os "patrulheiros ideológicos" do estalinismo burro continuam atacando tudo o que represente pluralismo e que esteja fora dos rígidos dogmas daquilo que eles acham que Marx escreveu (e não sabem, porque, na verdade, Marx é uma leitura muito difícil para eles). São esses "patrulheiros" que escrevem por ai que o documentário sobre o Major Teodorico Bezerra, apresentado pelo Globo Repórter há 15 dias, atende aos interesses do semifeudalismo rural nordestino. Na verdade, o documentário, de Eduardo Coutinho apenas mostra um aspecto da realidade brasileira e que essa gente, que acha que o mau gosto deve sempre estar à esquerda e o bom gosto à direita, vê o filme como favorável a tudo o que o Major Teodorico representa simplesmente porque não consegue enxergar além de sua própria paranóia.



Aliás, os "patrulheiros" existem mesmo e estão por ai espalhando que rir das piadas políticas do Planeta dos Homens é mais reacionário do que empunhar os estandartes vermelhos da TFP. Bem diz Cacá Diegues que eles acham que o mau humor está sempre à esquerda do bom humor e se neurotizam para explicar que o sucesso fica invariavelmente à direita do fracasso. Aí a gente fica tentado a pensar quem é contra o documentário de Eduardo prefere mesmo os enlatados e quem anda dizendo por aí (como Henfil disse em Piracicaba, no V Salão de Humor) que o humor e a liberdade de imprensa são concessões em troca da popularização do General Figueiredo é a favor da censura. Afinal de contas, ''eles'' não vivem por aí se dando ao luxo da cobrança sistemática de todo quanto dizem Pelé e Gilberto (afinal, "patrulheiro ideológico'' que se preze é sempre racista)



Esse pessoal vai começar a escrever já que o novo Papa, Paulo I, é de direita porque apoiou os candidatos comunistas ao Parlamento italiano. Felizmente essas leituras não me comovem muito. Aliás, parecem comover pouca gente. Prefiro achar com Albino Luciani uma simpatia e é com profundo do gozo que vejo, mais uma vez, a televisão européia provar que é uma falácia esse negócio de dizer que a televisão brasileira é uma beleza tecnicamente. Quem viu no domingo a missa com que João Paulo I iniciou seu pontificado já sabe que nosso pessoalzinho aqui tem muito que aprender.



Só que, para aprender, é preciso humildade. E a maioria do pessoal de televisão no Brasil (falo da gente de cima) está mais para o pavão do que para a formiga. Vejam o caso do Guga, esse rapaz simpático que entrou para cúpula da televisão brasileira por vias fraternais. Ele demitiu o comentarista internacional Newton Carlos da Rede Bandeirantes porque acha que a sangreira da Nicarágua e os golpes de Estado da Bolívia são menos importantes do que as sinopses da Agência Nacional. Não é mesmo uma gracinha o Guga? Falaram até em motivos estéticos. Mas, pensando bem, Maria Cláudia não daria uma boa comentarista internacional, vocês não acham? De qualquer maneira, qualquer que tenha sido o critério, a verdade é uma só: é muita pretensão de Guga demitir Newton, Carlos, não porque ele seja mais bonito do que o autor de América Latina Dois Pontos, mas simplesmente porque Newton Carlos é profissional e Guga, bem, vocês sabem, não é propriamente um amador, mas sua profissão, pelo menos a mais definida até o momento, é a de irmão mesmo. E irmão do Boni, o criador do tal padrão de qualidade da Globo.



Como diria o velho Adhemar de Barros, Guga não é do ramo. Ou melhor, é de galho sim, só que apenas da árvore genealógica. E Newton é do ramo. Garanto que ele não diria, em seus comentários, por exemplo, que o professor Cláudio Lembo é o líder da Arena na Assembléia Legislativa, do Estado de São Paulo. Como fez o redator do programa Fantástico de domingo passado, que chamou o candidato da Arena paulista ao Senado, pela via direta, de deputado estadual e colocou letreiro embaixo, enquanto Lembo metia o pau na TFP. Convém que o pessoal do telejornalismo da Globo peça o currículo de Lembo à sua simpática secretária, Márcia. Para ir adiantando o expediente, fiquem sabendo que ele não é e nunca foi deputado nem mesmo vereador, mas sim professor de Direito (dirigiu a Faculdade de Direito da Mackenzie em Paulo), tendo deixado um cargo no Departamento Jurídico do Banco Itaú para assumir a Secretaria dos Negócios Extraordinários da Prefeitura de São Paulo, abandonada, por sua vez, recentemente, para que pudesse concorrer ao Senado com poucas possibilidades, de vitória, contra Franco Montoro, e Fernando Henrique Cardoso, do MDB. Essa foi de doer, hein, Zé Itamar de Freitas?



Bom, mas voltando ao Guga, seu assessor de comunicação, João Dória, soltou um editorial no boletim de programação da Bandeirantes mostrando que esse negócio de confiar em índices de audiência tipo IBOPE já era. Que o digam os críticos norte-americanos citados pelo rapaz. Estou de acordo. Tanto é que, quando a maioria preferia ver o jogo-exibição de uma seleção internacional contra o Cosmos de Nova Iorque pela Bandeirantes (brindados foram aliás com dois lindos gols de Rivelino e Chinaglia e com uma jogada genial de Cruyff), preferi ver um Caso Especial da Globo. Um belo momento da ficção da televisão este ano no Brasil foi O copo de Cristal, uma adaptação de Luís Carlos Maciel de um conto de Jerônimo Monteiro, dirigida por Bento Pinto de Franca, com fotografia assinada por Peter Gasper e o elenco formado por Carlos Kroeber, Jece Valadão, Natália Thimberg e Fábio Máximo.



Quem viu o programa sabe a história: de um copo de cristal emergia uma tênue luz azul em que cada personagem via sua verdade, para alguns uma perspectiva apavorante, para Outros a libertação. Quem não tem medo de ver a luzinha azul do copo de cristal tirou proveito de leituras das entrevistas de Wilson Martins e Cora Ronai Vieira (neste Caderno B, semana passada) e de Cacá Diegues a Pola Vartuck, como aprendeu suas lições quando viu Chuvas de Verão no cinema ou O Imperador do Sertão na televisão. Sabe, por exemplo, que falar mal do filme de Eduardo Coutinho é fazer parte desse lobby da cultura urbana carioca-paulista, já bastante infiltrada da verdade norte-americana, que procura massacrar a riqueza da variedade regional deste país, conforme já andou denunciando, por exemplo, o crítico Flávio Pinto Vieira. Outros teriam motivos para se arrepender. Guga, por exemplo, vendo-se no copo, teria humildade suficiente para se reconhecer um amador diante de um profissional como Newton Carlos. E os "patrulheiros ideológicos" veriam quão próximos estão da censura policial do Ministério da Justiça, que tanto, semanticamente, eles condenam. Mas como não há copo de cristal sobrando por aí (há mesmo é copinho de papel, descartável), o negócio é ter paciência para suportar isso tudo. E peito para desabafar. Como fez Cacá.



E para concluir, já que falei em desabafo, vale a pena lembrar o do General Otávio Costa na Escola Superior de Guerra. Tudo bem, como diria Arnaldo Jabor. E daí?



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