Wednesday, February 3, 2010

1969 - Censura no Brasil

Jornal do Brasil
Data de Publicação: 30/8/1969
FRESTA NA CENSURA
A censura ao freqüentador de cinemas em nosso pais criou, por paralelismo, uma censura ao mercado de filmes, impedindo que obras de arte autênticas, dirigidas a um público acima do nível médio, sejam exibidas com regularidade. Quando um desses filmes aparece por acaso, em meio a um lote arrematado nos estúdios estrangeiros, a exigência do certificado de censura trava em geral a sua apresentação, mesmo em salas especiais.

É contristador verificar-se que os circuitos de cinema de arte, inclusive o Museu da Imagem e do Som, estejam sujeitos a uma seleção prévia dos censores federais, a quem entregamos, forcados, o juízo do nosso gosto estético. São eles os críticos primeiros da nossa critica, e como viciaram a capacidade de julgamento na censura de filmes destinados ao grande público, impõem toda uma gama de convencionalismo a setores mais sofisticados da inteligência brasileira.

Náo nos referimos especificamente ao cinema tipo underground, mas à obra de arte cinematográfica que, como tal, goza de privilégios e isenções especiais nos. países de tradição cultural assentada. Esses filmes, feitos sem espírito de concessão ao chamado gosto popular, que se contenta via de regra com receitas pré-fabricadas, ou náo chegam ao Brasil ou, se importados, sofrem cortes e mutilação que desfiguram inteiramente suas intenções originais.

Ainda recentemente, dois cineastas brasileiros, aos mais lúcidos desta geração, se comprometeram a importar o mais recente filme de um mestre, Bunuel; mas como bons conhecedores dos arroubos puritanos da nossa censura, condicionaram o-pagamento à possibilidade de liberação integral, aqui, da obra. São distorções que em nada nos recomendam como nação ansiosa por um amadurecimento de concepção e de ideal civilizatório.

A censura no Brasil, além de todo-poderosa nos seus conceitos e hipersensível nos seus pruridos pretensamente moralizantes, tem no critério das massas a sua diretiva única. Isso cerceia o acesso a obras fora dos padrões comuns da indústria - cinematográfica, estabelecendo uma popularização que, por ser dirigida, nega os fundamentos de liberdade essenciais à criação e difusão das manifestações do espírito.

O fato ainda é mais lamentável quando se constata que as restrições no terreno artístico são acentuadas pelo tabelamento das salas de espetáculos, o que amesquinha o mercado e desestimula por completo o aparecimento de salas mais nobres onde se possa satisfazer o gosto apurado A censura e o tabelamento, juntos, constituem veículos de nivelamento cultural por baixo, e em termos de indústria e comercialização sufocam o engenho e abastardam a arte.

Temos um Instituto Nacional do Cinema e dele se espera uma ação pioneira que se traduza logo em afirmação cultural Acima das suas atribuições normais de controlar a arrecadação e fornecer estímulos, paira, indevassada ainda, uma missão didática de amplas possibilidades e conseqüências. Concebido originalmente como meio de entretenimento, o cinema se afirma cada vez mais como instrumento de cultura, e nesse contexto requer um planejamento racional a que a autoridade pública não pode ficar indiferente.

Precisamos dar ao público espectador oportunidade de opção além dos bangue-bangues importados em massa e que aferem mal o nosso quociente de inteligência. O filme de arte tem sido até aqui uma exceção tratada como exceção por exibidores e censores. Sem um programa que derrube critérios arcaicos de julgamento e divulgação, semeando salas de espetáculos para todos os gostos, jamais extrairemos do bom cinema as suas virtudes de expositor de idéias e conflitos humanos. O cinema, como arte, existe para sublimar o espírito, jamais para amortecê-lo ou anestesiá-lo pela vida afora.




Thursday, January 21, 2010

1979 - Rádios Livres

Jornal do Brasil
Data de Publicação: 26/9/1979

RADIALISTAS FICAM FORA DA CENSURA


Brasília - Os radialistas recusaram-se a indicar seu representante no Conselho Superior de Censura, que se instala hoje em Brasília, por discordarem de qualquer tipo de censura e, ainda, por se sentirem o setor mais atingido pela ação desse órgão, segundo explicações dadas pela Federação Nacional dos Radialistas ao Ministério da Justiça.

O Conselho Superior de Censura, segundo o decreto que o regulamentou, será composto de um representante dos seguintes setores: Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores, Ministério das Comunicações, Conselho Federal de Cultura, Conselho Federal de Educação, Serviço Nacional de Teatro, Empresa Brasileira de Filmes, produtores cinematográficos, artistas e técnicos em espetáculos de diversões públicas e autores de radiodifusão.



Wednesday, January 20, 2010

1976 - Código Brasileiro de Telecomunicações...

Jornal do Brasil
Data de Publicação: 29/6/1976
Autora: Maria Helena Dutra




TELEVISÃO NÃO É ISSO, MAS TAMBÉM NÃO PRECISA SER AQUILO
A televisão brasileira vive uma. situação de fato e não de direito. O prometido Código Brasileiro de Telecomunicações, há muito anunciado, até agora não foi sequer planejado e por isso não existem leis para reger ou disciplinar o famoso veículo maior de comunicação de massas. Em nosso país, apesar de sua importância popular, a televisão é regulada apenas por portarias ocasionais e um Código de Censura de Diversões Públicas, datado de 1946, exatamente quatro anos antes da instalação da primeira estação de televisão no país.

Esta esdrúxula situação tolhe totalmente a liberdade e a dimensão do veículo e o transforma num "isso" que muda de feição e características de acordo com o Governo e as autoridades que se estabelecem no país. Ao iniciar sua atuação em 18 de setembro de 1950, a televisão usufruiu quase total liberdade moral e política devido a seu pequeno raio de ação e a venda de poucos aparelhos. Para espanto de muitos porém, o liberal jornal O Estado de São Paulo foi o primeiro a pedir, em editorial, um ano depois da instalação da TV no Brasil, a ação da censura para o veículo, na época um monopólio de seu arquiinimigo Assis Chateaubriand. Era preciso, afirmavam, que este veículo fosse controlado, sentido e equacionado pelas autoridades. Um pedido rapidamente atendido no campo da censura de espetáculos principalmente a etária, mas que em termos políticos só apareceu muitos anos depois quando, em manobra por muitos apontada como de grande habilidade política, o então Presidente da República Juscelino Kubitscheck de Oliveira afastou o extremado Deputado federal Carlos Frederico Werneck Lacerda das Gamaras da televisão Rio, ainda Distrito Federal, graças à ação direta de seu Ministro da Justiça, Armando Falcão. Para isso, não foram necessárias leis ou portarias; apenas a intervenção proibitiva direta.

Instalado o feitiço, todos se habilitaram a feiticeiros, e o silêncio político foi aos poucos dominando a televisão. Em termos de problemas éticos ou estéticos, a solução também se tornou conseqüência de intervenção direta, pois coube aos funcionários, habilitados ou não, do Serviço de Censura da Policia Federal julgar de acordo com sistemas e arbítrios próprios o que pode ser enfocado e transmitido. A lei ultrapassada é aplicada a partir de critérios pessoais operacionais e empíricos. Neste sistema de fato, onde o direito, repetimos, jamais é cogitado, pairam a televisão, seus concessionários, 10 mil 500 aparelhos e seus quase 32 milhões de espectadores. Qualquer derrapada fora de suas adivinhadas atribuições pode ter várias sanções como conseqüências, sanções que vão da imediata retirada da estação do ar, a demorados processos por atos cometidos em departamentos de segurança, até uma suspensão temporária ou a total cassação do canal.

Todos os programas de televisão dependem, por isso, da previsão, experiência e tarimba de seus responsáveis sobre os limites de sua ação. Outro fator importante porque, apesar de tudo, eles revelam covardias, acomodações, senso profissional e dignidade no trabalho. Nos filmes e enlatados, nos quais existe apenas o comércio como norma, as dublagens desonestas falseiam o original como no caso do filme Two on the Road, dirigido por Stanley Donen, com Albert Finney e Audrey Hepburn. O diálogo final em que os atores se mimoseiam com os epítetos bastard e bitch foi transformado em português na singular versão de "não posso viver sem você", "nem eu tampouco" ou coisa que valha.

A explicação para a constante deturpação é que o custo do filme é caro demais para compensar muitos riscos com a Censura, no caso de uma tradução honesta. Na linha de shows não dá para discutir estas fluidas questões de costumes e honestidade profissional com a obra alheia, porque todos os seus programas como Fantástico, Chico City, Planeta dos Homens, Deu a Louca no Show são vistos pelas Censuras regionais, Rio ou São Paulo, antes de serem transmitidos. Estas raramente retiram qualquer quadro ou personagem por inteiro; fazem normalmente apenas pequenos cortes e nem se metem com o enfoque geral. Anos de autocensura, tanto na televisão como no teatro de revista transformaram, porém, os hábeis autores deste tipo de programa em especialistas em sátiras a Mao Tsé-tung, Gerald Ford, Kissinger, Nixon, Elizabeth Taylor e Frank Sinatra. Personagens amplamente desconhecidos pela maioria do público de televisão, de operários a universitários, o que ocasiona a rejeição dos humoristas pelos números do IBOPE.

Caso inteiram ente oposto ao que acontece com as telenovelas, sempre com danatescos números em audiência e com grande repercussão popular. Motivos que levam às honras de ser em censuradas na sede federal deste trabalho em Brasília e serem liberadas depois da visão de muitos capítulos já gravados e dos textos aprovados. Excesso de zelo, porque sabem seus autores e o público que a integridade de uma história depende muito mais da aceitação da audiência do que de alvarás de permissividade. Um extremado amigo, atualmente trabalhando para a média eletrônica, definiu a novela hoje como "algo inicialmente escrito pelo autor e terminado pela Censura." Por isso, no final do Pecado Capital, foi necessário matar o personagem Caricio por ter-se apropriado indiretamente de dinheiro alheio, impedir um seminarista, que ainda não fizera seus votos finais para padre, de deixar a batina para casar, mentir sobre as causas da loucura de uma jovem que fora estuprada pelo cunhado e nem sequer começar o previsível romance de uma branca desquitada com um psiquiatra negro. Tudo, dizem, impedido não por leis ou portarias, mas por telefonemas e pressões. Um trabalho supérfluo, caso tenha realmente sido realizado pela Censura, porque o conservador público destas histórias sabe muito bem defender ou negar situações que não lhe agradam. E como a telenovela é dividida em capítulos e piques - ou será peaks? - de audiência, seus autores muito raramente tendem a desagradar o público e sabem forçar, movidos pelos ventos das circunstancias do consumo imediato, o curso da suas histórias.

Mesmo assim, a manipulação da ficção é grave pela camisa-de-força imposta à criatividade do autor. Só que na situação de fato da televisão brasileira, ela chega até a ser irrelevante se comparada com a manipulação da realidade realizada no seu telejornalismo, quase convertido num "aquilo" sem a menor importância. Durante algum tempo os jornais diários tiveram censura prévia; houve até uma semana que o Jornal Nacional, da Rede Globo, chegou a ter 37 matérias vetadas. Atualmente, esta forma desapareceu, mas restaram seus fantasmas. Nenhuma portaria impede aos editores noticiar a realidade e o cotidiano brasileiros, mas todos sabem que existem limites bem definidos e que a sua transgressão pode acarretar severas sanções. Mesmo assim, as estações de televisão de São Paulo produzem noticiário diário de boa qualidade, como o realizado pela TV Bandeirantes, e cerca de quatro programas semanais - Bandeirantes, Tupi e Record - de mesas-redondas sobre política, saúde, educação e problemas graves do país. Naquela cidade, é freqüente encontrar-se na tela as figuras oposicionistas de Paulo Brossard, Franco Montoro, Ulisses Guimarães e Orestes Quércia debatendo os problemas da cidade com políticos da Arena e criticando os Governos municipal, estadual e federal, e sendo por eles respondidos. Tudo em tom elevado e com muitas informações.

Um espetáculo inteiramente negado ao público carioca, que da mesma forma que o paulista também se interessa por estes assuntos, como prova o recorde de audiência obtido pelo Jornal Nacional ao noticiar os contratos de risco a serem assinados pela Petrobrás. Mas morrem à mingua de informações porque a estação que aqui predomina, a Rede Globo, preferiu optar por um jornalismo colorido, narrado por aprendizes de ídolos em roupas espalhafatosas, sem nenhuma substancia informativa e que dedica caros e amplos minutos a enterros de cachorros ou instalação do sistema de discagem direta em Goiânia. É uma opção própria, não uma conseqüência de pressão de autoridade, porque estas são as mesmas que atuam em outros canais e em outros Estados e nada pode justificar a renúncia à própria essência do jornalismo que é a noticia. Na falta desta, o telejornalismo da Globo é apenas um intervalo entre duas novelas ou dois filmes.



1982 - Biquíni, Absorvente e Calcinha... Nãããão!

Folha de S. Paulo
Data de Publicação: 6/2/1982




SERÃO ATUALIZADAS AS NORMAS DE CENSURA DA TV
BRASÍLIA - O ministro da Justiça, Ibraim Abi Achel, com o objetivo de unificar a censura de diversões públicas em todo o Pais, especialmente quanto à programação de televisão, criou anteontem um grupo de trabalho integrado por representantes do Ministério e do Conselho Superior de Censura (CSC), com a finalidade de atualizar a legislação censória, em vigor desde 1946.

A proposta surgiu do próprio Conselho Superior de Censura quando, na última reunião, alguns de seus membros criticaram a decisão do diretor regional da Censura do Rio de Janeiro, Hélio Guerreiro, que tentou proibir anúncios de calcinhas, absorventes íntimos e biquínis na televisão.

Como a televisão brasileira foi implantada a partir de 1950 e a legislação não foi atualizada, a censura nesse novo veículo de comunicação passou a ser feita, por analogia, pelo critérios adotados para a programação de rádio. Com a implantação do CSC, em setembro de 1979, os problemas começaram a surgir, primeiro quanto à falta de critérios e, depois, na fixação de horários para as diversas programações.

Até agora o que tem prevalecido é o "bom senso" dos conselheiros, aliado ao Código de Menores para a liberação de peças e filmes para televisão. O presidente do Conselho, Euclides Mendonça, procura sempre "pesar" em cada obra em julgamento, as "funções" e "disfunções'' do programa em causa. O CSC já promoveu três seminários para debater o assunto, além de ter convidado para uma palestra o presidente do Conselho Nacional de Entorpecentes, Artur Pereira de Castilho, que falou das "disfunções" da abordagem do tema em filmes para televisão, mesmo que eles mostrem apenas os malefícios do uso de drogas.

O ministro da Justiça, considerando que a questão censória vem polarizando o interesse das diversas correntes representativas da opinião pública, e da conveniência de se dispensar à matéria um enfoque contemporâneo, decidiu criar o grupo de trabalho para atualizar a legislação sobre a matéria.

O grupo de trabalho é integrado pela diretoria da Divisão de Censura, Solange Maria Hernandes, pelo representante da Embrafilme, Dario Correa, pela representante da Funabem, Glacy Vieira da Cunha, pelo representante do Ministério das Comunicações, Coronel Pedro Paulo Wandeck de Leoni Ramos e pelo representante do Ministério da Justiça, Pedra Paulo Christovam dos Santos.




1967 - O CENSOR NASCEU DE UM BEIJO

Revista Realidade
Data de Publicação: 1/6/1967
Autor: José Carlos Marão e Afonso de Souza





ISTO É PROIBIDO

Em Brasília, 17 funcionários públicos decidem que filmes crianças podem ver, o que os adultos podem ver e o que ninguém pode ver. Com esses 17 homens está o poder de decretar

Ele aparece todos os dias, em todos os filmes - desde um desenho animado até uma tragédia mexicana.

Ele trabalha atrás de uma mesa de aço, no quarto andar de um edifício de paredes de vidro, em Brasília.

Mais criticado que elogiado, é ele quem determina o que o brasileiro pode e o que não pode ver no cinema.

Ele é o censor, e nas telas seu nome e assinatura nunca falham: "A. Romero do Lago, chefe do Serviço de Censura de Diversões Públicas".

- Trabalho de censor desperta curiosidade muito grande - comenta um pouco vaidoso.

Romero do Lago chefia uma equipe de 16 homens, encarregada de cortar, dos filmes, cenas que - segundo eles - chocam, despertam violência, ofendem o decoro público ou subvertem. Com nível de cultura de média para baixo, esses 16 cidadãos têm o poder de proibir filmes para menores, cortar cenas e até interditar uma fita inteira.

Já houve tempo que se limitava um filme "impróprio para menores até..." só pelo título. Hoje não. Todas as fitas, nacionais ou estrangeiras são vistas.

O chefe Romero do Lago, porém, não gosta de cinema. Quase nunca entra na sala de projeções do departamento. Sem confessar sua indiferença, explica que não assiste aos filmes para poder opinar posteriormente, em grau de recurso, sobre qualquer dúvida surgida entre os censores.

A equipe agüenta ver quatro filmes de longa metragem por dia, mais um tanto de documentários e jornais cinematográficos. A ordem de exibição é a de chegada, mas os nacionais têm preferência. Os censores trabalham em grupos de dois, três ou quatro. No subsolo do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (onde a Censura ocupa metade do quarto andar), eles têm uma sala de projeção: 300 lugares, luz e som perfeitos.

Depois de visto o filme, cada censor dá seu parecer por escrito. Se houver empate, Romero do Lago, ou um segundo grupo de censores, desempata. Se não houver, Augusto da Costa, que já teve seu nome conhecido no Brasil inteiro, pois foi o beque da Seleção Brasileira na Copa de 1950 - recebe os pareceres, prepara os certificados, passa ao chefe para assinar e despacha aos distribuidores.

Funcionários federais (dos níveis 17 e 18), os censores ganham no máximo NCrS 356,50 por mês e só podem ter outro emprego se forem jornalistas.

O CENSOR NASCEU DE UM BEIJO

A censura do cinema começou um pouco antes do cinema. Em 1896, no filme A Viúva Jones (do tempo da lanterna mágica), Mary Irvin e John C. Rice assustaram o público americano com um beijo mais ou menos longo. Membros do clero, escandalizados, denunciaram a fita como a lyric of the stockyards (um lirismo de matadouro).

Estava criada a censura. O censor oficial foi a conseqüência.

No Brasil, 71 anos depois, o censor é um funcionário público que ainda faz restrições aos beijos:

- O beijo passa, é claro, mas se o galã começa a dar mordidinhas nos lábios da mocinha, aí vamos estudar o caso.

No estudo do caso, há pelo menos 16 critérios para julgar o que o povo não pode ver: um para cada censor. Além da orientação geral de Romero do Lago, através das portarias que vai baixando.

Serviço de Censura de Diversões Públicas foi criado em 1946, dentro do Departamento Federal de Segurança Pública (hoje Departamento de Polícia Federal). Na mesma ocasião foi feito um regulamento de 136 artigos, onde só um - o "41" - fala dessas coisas que são proibidas: "Será negada a autorização sempre que a representação" exibição ou transmissão: a) contiver qualquer ofensa ao decoro público; b) contiver cenas de ferocidade ou for capaz de sugerir a prática de crimes; c) divulgar ou induzir aos maus costumes; d) for ofensiva à coletividade ou às religiões; e) puder prejudicar a cordialidade com outros povos; f) for capaz de provocar o incitamento contra o regime vigente, à ordem pública, às autoridades e seus agentes; g) ferir, por qualquer forma, a dignidade e o interesse nacional; h) induzir ao desprestigio das forças armadas."




São proibidas por lei, portanto, entre outras, cenas que ofendem o decoro público. Mas como até hoje ninguém definiu nem indicou quando o decoro público é ofendido, os censores usam, para julgar, a intuição e o bom senso pessoal.

BAIANO NÃO ENTENDE "O SILÊNCIO"?

Todo censor é a favor da censura: -Como é que aquela gente do interior da Bahia vai entender ou suportar um filme como O Silêncio, se não for cortado?

A frase é de Pedro José Chediak, que antecedeu Romero do Lago na chefia do departamento. O Silêncio, filme de Ingmar Bergman, premiado no mundo inteiro, saiu da censura brasileira com quatro cortes de cenas consideradas imorais: duas de relações sexuais, uma de masturbação e outra em que aparece um seio de mulher. Apesar de alguns dos censores admitirem que foram filmadas tão sutilmente que não chegavam a ferir o decoro público, Chediak foi categórico:

- O Silêncio não tem mensagem nenhuma, é vazio. O Ingmar Bergman fez fama e deitou na cama.

A VEZ DA SUBVERSÃO

Recentemente, o filme nacional Terra em Transe, de Glauber Rocha, foi submetido à censura, sendo inicialmente interditado por cinco votos contra um. Romero do Lago nem precisou ver o filme; examinou os pareceres e deu o veredicto:

- Realmente esse filme leva uma mensagem marxista de subversão da ordem.

José Vieira Madeira, o único censor que opinou por sua liberação, pensa diferente:

- O filme é pura ficção, que pode ter semelhança com o Brasil de hoje, mas pode ter também com outros países latino-americanos. É exagero dizer que o tirano do filme seja Castelo Branco e o Governador do Estado do Alecrim seja João Goulart.

Enquanto isso Terra em Transe era inscrito no Festival de Cannes, na França.

O recorde de cortes na censura é de um filme também nacional: Noite Vazia; de Walther Hugo Khouri. Cinco cenas foram cortadas - a considerada mais forte era aquela em que Norma Benguel e Odete Lara apareciam numa cama. Essa cena teve que ser exibida só com o começo e o fim, sem o meio.

Outro filme brasileiro, Canalha em Crise, só foi liberado dois anos e meio depois de sua entrada no departamento. Nesse período houve trocas na chefia e, quando a fita ia sendo liberada por uma equipe, Miguel Borges, o diretor, não concordava com os cortes e entrava com o recurso. De mudança em mudança, afinal, Canalha em Crise saiu de Brasília - depois de dois anos e meio - com duas cenas de sexo a menos, e ainda deixando os censores preocupados, porque é o bandido quem ganha no fim.

Mas acontecem coisas ainda mais estranhas: Katu no Mundo do Nudismo, liberado com alguns cortes, encontra-se em exibição. Enquanto isso, seu trailler_ está há vários meses aguardando liberação, pois chegou a Brasília atrasado.

Viva Maria, francês, foi liberado por acaso: tinha sido interditado pelos censores por ser considerado subversivo. Acontece que ao mesmo tempo o general Riograndino Kruel - então diretor do Departamento de Polícia Federal - via o filme em exibição especial e dava boas gargalhadas com as ''guerrilheiras'' Brigitte Bardot e Jeanne Moreau.

Quando soube da interdição, não achou graça nenhuma. Chefe do chefe da censura, mandou que Viva Maria fosse liberado.

Pode acontecer também que o público nem fique sabendo que certos filmes entram no Brasil. Delírio Noturno, japonês, foi devolvido pela censura para reexportação, por "imoral e antiestético''. Outros começam a passar e depois são apreendidos: Tentação Morena, mexicano, teve sua exibição interrompida em Belo Horizonte. Os distribuidores tinham esquecido de tirar daquela cópia uma cena cortada pela censura, em que a atriz Izabel Sarli toma banho num rio, completamente nua.

MAS NEM SÓ SEXO E SUBVERSÃO DÃO TRABALHO AOS CENSORES

- Crime com arma branca que tem sangue, eu corto - diz um dos homens do serviço.

005 contra o "strip-tease"

O ex-chefe Chediak baixou uma portaria - de número 005 - proibindo o strip-tease para todo o território nacional. Romero do Lago derrubou essa portaria. Agora o strip-tease não é mais proibido, desde que as câmaras estejam a mais de cinco metros do objetivo. Isso é o que diz a nova portaria, que assim exige um requisito a mais dos censores: golpe de vista.

Além dessa liberalidade, Romero do Lago juntou uma importante inovação ao Serviço de Censura de Diversões Públicas:

- O SCDP - diz ele - concederá certificados especiais de censura cinematográfica a filmes considerados de valor educativo, para exibição em entidades culturais, onde entidade cultural é definida como universidade, cinemateca, fundação cultural ou cineclube filiado à Associação Brasileira de Cinema de Arte.

Veridiana, de Luiz Bunel, foi o primeiro a obter essa categoria de filme de valor educativo" tendo sido liberado integralmente" com a condição de não ser exibido comercialmente. Antes da portaria, o filme fora censurado e cortada uma cena em que um grupo de mendigos se banqueteia numa mesa com talheres finíssimos, num salão medieval, durante a ausência dos donos da casa. A cena é uma paródia da passagem bíblica pintada por Leonardo Da Vinci.

Augusto da Costa, o ex-beque da seleção, afirma:

- É uma tentativa de ridicularizar a Santa Ceia, e o filme é anticlerical.

Antônio Fernandes de Sylos, um dos censores, está com o beque:

- E quem é que garante que não é mesmo a Santa Ceia?

PROIBIDO PARA CENSORES

Extraconjugal, filme italiano com quatro histórias, entrou na censura normalmente. A última das histórias deu um susto nos censores: era forte demais. Resolveram interditar a fita a não ser que aquele episódio fosse eliminado.

Os distribuidores entraram com recurso, pedindo reexame. Extraconjugal foi revisto e a censura acabou autorizando a emissão do certificado, mas proibindo o filme para menores até 21 anos. Assim, um brasileiro de 18 anos, pode ser eleitor, funcionário público (e até censor), mas está proibido de ver a fita.

Não existe nenhuma lei, decreto ou portaria que permita proibir filmes em estágios fora dos níveis de 10, 14 e 18 anos. Uma vez ou outra, porém, há essas exceções: Dr. Jivago, de custo caríssimo, tinha sido proibido para menores até 18 anos. Os distribuidores, desesperados, apresentaram recurso. Resultado - foi proibido para menores até 16 anos. Afinal, o filme mostrava muita guerra, um herói que vivia feliz com a amante e.. o romance fora proibido em seu pais de origem, a Rússia.

Mas não são apenas essas as fórmulas de censura vigentes no Brasil. Cinemas de propriedade de padres e igrejas, principalmente nas cidades do interior, de vez em quando suspendem a exibição de algum filme, quando os gerentes foram enganados pelo titulo, na escolha do programa mensal.

Há pouco tempo, em Niterói, o governador do Estado do Rio, Jeremias Fontes, que é protestante, censurou a própria censura. Rasgou e jogou no lixo uma foto de mulher nua que encontrou emoldurada, carimbada censurado, enfeitando a mesa do chefe da censura estadual.

QUEM ESTÁ CONTRA A CENSURA

Nem todos, porém, pensam como o governador Jeremias Fontes. Entre os intelectuais brasileiros, por exemplo, será difícil encontrar-se alguém favorável à censura. Para Carlos Diegues, cineasta, diretor de Ganga Zumba e A Grande Cidade, "não deveria existir censura nenhuma". Esta é a sua opinião:

-- Sou contra qualquer tentativa de impedir a expressão livre de quem quer que seja.

Por outro lado compreendo os motivos pelos quais o Estado se protege através de instrumentos odiosos como o da censura: ele precisa se precaver contra as "doenças sociais", animadas, quase sempre, pelo livre pensamento condutor da opinião pública e da crítica. A censura moral encobre, no final das contas, a censura política. E é em nome desta que se faz a primeira. Para quem faz cinema (ou qualquer outra coisa) a presença da censura é asfixiante, estamos sempre medindo nossa possibilidade de enfrentá-la. A única maneira de conviver com ela, já que é impossível evitá-la, é lutar pela sua liberalização, tentar fazé-la progredir, para que possa se transformar num instrumento menos obscuro, como já é em tantos países do mundo. O melhor modo para se chegar a isso é estabelecer uma discussão da qual ela sairá, quase que fatalmente, mais moderna.

"SOU CONTRA QUALQUER TIPO DE CENSURA"

O jornalista, ensaísta e crítico literário Paulo Francis faz comparações entre o Brasil e os Estados Unidos:

- Sou contrário a qualquer tipo de censura: política, moral etc. É evidente que o excesso de liberdade pode acarretar alguns excessos anárquicos. Mas está provado, pela experiência de países como os Estados Unidos, que qualquer sociedade civilizada é perfeitamente capaz de absorver esses excessos sem nenhum prejuízo para a sua estrutura. Um bom exemplo é a peca Mac Bird, onde o presidente Johnson é explicitamente acusado de haver assassinado o presidente Kennedy. A peça não foi censurada, e o govêrno Johnson não caiu.

Isto é válido também para a censura dos livros ditos obscenos. No Brasil, em particular, a censura tem sido um fator de obscurantismo político e sexual. Um bom exemplo do primeiro caso foram as apreensões de livros no governo Castelo Branco; e, no segundo, as apreensões de livros como O Casamento e Fanny Hill. Uma sociedade que não pode ler a respeito de um ato fisiológico normal, como é o sexual, não está preparada para o desenvolvimento industrial e para a era da tecnologia.

"CRÍTICA SIM, CENSURA NÃO"

Josué Montelo, escritor e membro do Conselho Nacional de Cultura, também condena a censura:

- Só aceito como válida à obra de arte a censura feita em nome de princípios de ordem estética. E esta é exercida ou pelo artista - no momento da criação - ou pelo espectador, diante da obra realizada. Esta censura chama-se crítica e só interfere na criação por iniciativa de seu criador. Fora dai, a censura aparece numa faixa de ordem ética. Fala a moral onde deveria falar a estética. Ora, a obra de arte deve ser permanente, como mensagem humana, enquanto os princípios de ordem ética - onde a censura se baseia - variam com o tempo e as latitudes.

"O CENSOR VIVE ASSUSTADO"

O JURISTA EVARISTO DE MORAIS VÊ O PROBLEMA ASSIM:

- A censura, do ponto de vista jurídico, pouco se diferencia da censura do ponto de vista sociológico. Pois ela representa nada mais do que aquele controle social, difuso e inorganizado, mas formal e institucionalizado através de códigos, leis e tribunais e policias. Em qualquer país do mundo, a censura é sempre a defesa da ordem social e econômica constituída. Por isso mesmo, o govêrno - apesar de todas as criticas - prefere sempre a censura prévia, em lugar da exercida depois do fato consumado, com plena responsabilidade de seu autor. Com a censura prévia o que se procura é evitar que o público tenha conhecimento daquilo que poderá causar dano aos valores, interesses e crenças dos poderes constituídos. Infelizmente, salvo raras exceções, os censores vivem assustados e vêem atentados contra a ordem dominante por toda parte, mutilando as livres criações do espírito humano.

"ELA CRIA HIPÓCRITAS"

Napoleão Moniz Freire autor e atualmente do Departamento de Teatro da Guanabara, encerra a série de críticas:

- Há um perpétuo conflito, na marcha do mundo, entre o bem e o mal. Existe a idéia. Existe a liberdade de pensamento. Existe a liberdade de opinião, de exame e deliberação. A liberdade de expressão sofre, às vezes, censura. Acontece que, existindo a liberdade de pensamento e a de opinião, não será a censura que irá eliminar a idéia. Uma idéia só poderá ser eliminada quando voar e sofrer o embate da dignidade. Nunca será eliminada pela censura, que somente cria hipócritas.