Jornal do Brasil |
Data de Publicação: 29/6/1976 |
Autora: Maria Helena Dutra |
TELEVISÃO NÃO É ISSO, MAS TAMBÉM NÃO PRECISA SER AQUILO A televisão brasileira vive uma. situação de fato e não de direito. O prometido Código Brasileiro de Telecomunicações, há muito anunciado, até agora não foi sequer planejado e por isso não existem leis para reger ou disciplinar o famoso veículo maior de comunicação de massas. Em nosso país, apesar de sua importância popular, a televisão é regulada apenas por portarias ocasionais e um Código de Censura de Diversões Públicas, datado de 1946, exatamente quatro anos antes da instalação da primeira estação de televisão no país. Esta esdrúxula situação tolhe totalmente a liberdade e a dimensão do veículo e o transforma num "isso" que muda de feição e características de acordo com o Governo e as autoridades que se estabelecem no país. Ao iniciar sua atuação em 18 de setembro de 1950, a televisão usufruiu quase total liberdade moral e política devido a seu pequeno raio de ação e a venda de poucos aparelhos. Para espanto de muitos porém, o liberal jornal O Estado de São Paulo foi o primeiro a pedir, em editorial, um ano depois da instalação da TV no Brasil, a ação da censura para o veículo, na época um monopólio de seu arquiinimigo Assis Chateaubriand. Era preciso, afirmavam, que este veículo fosse controlado, sentido e equacionado pelas autoridades. Um pedido rapidamente atendido no campo da censura de espetáculos principalmente a etária, mas que em termos políticos só apareceu muitos anos depois quando, em manobra por muitos apontada como de grande habilidade política, o então Presidente da República Juscelino Kubitscheck de Oliveira afastou o extremado Deputado federal Carlos Frederico Werneck Lacerda das Gamaras da televisão Rio, ainda Distrito Federal, graças à ação direta de seu Ministro da Justiça, Armando Falcão. Para isso, não foram necessárias leis ou portarias; apenas a intervenção proibitiva direta. Instalado o feitiço, todos se habilitaram a feiticeiros, e o silêncio político foi aos poucos dominando a televisão. Em termos de problemas éticos ou estéticos, a solução também se tornou conseqüência de intervenção direta, pois coube aos funcionários, habilitados ou não, do Serviço de Censura da Policia Federal julgar de acordo com sistemas e arbítrios próprios o que pode ser enfocado e transmitido. A lei ultrapassada é aplicada a partir de critérios pessoais operacionais e empíricos. Neste sistema de fato, onde o direito, repetimos, jamais é cogitado, pairam a televisão, seus concessionários, 10 mil 500 aparelhos e seus quase 32 milhões de espectadores. Qualquer derrapada fora de suas adivinhadas atribuições pode ter várias sanções como conseqüências, sanções que vão da imediata retirada da estação do ar, a demorados processos por atos cometidos em departamentos de segurança, até uma suspensão temporária ou a total cassação do canal. Todos os programas de televisão dependem, por isso, da previsão, experiência e tarimba de seus responsáveis sobre os limites de sua ação. Outro fator importante porque, apesar de tudo, eles revelam covardias, acomodações, senso profissional e dignidade no trabalho. Nos filmes e enlatados, nos quais existe apenas o comércio como norma, as dublagens desonestas falseiam o original como no caso do filme Two on the Road, dirigido por Stanley Donen, com Albert Finney e Audrey Hepburn. O diálogo final em que os atores se mimoseiam com os epítetos bastard e bitch foi transformado em português na singular versão de "não posso viver sem você", "nem eu tampouco" ou coisa que valha. A explicação para a constante deturpação é que o custo do filme é caro demais para compensar muitos riscos com a Censura, no caso de uma tradução honesta. Na linha de shows não dá para discutir estas fluidas questões de costumes e honestidade profissional com a obra alheia, porque todos os seus programas como Fantástico, Chico City, Planeta dos Homens, Deu a Louca no Show são vistos pelas Censuras regionais, Rio ou São Paulo, antes de serem transmitidos. Estas raramente retiram qualquer quadro ou personagem por inteiro; fazem normalmente apenas pequenos cortes e nem se metem com o enfoque geral. Anos de autocensura, tanto na televisão como no teatro de revista transformaram, porém, os hábeis autores deste tipo de programa em especialistas em sátiras a Mao Tsé-tung, Gerald Ford, Kissinger, Nixon, Elizabeth Taylor e Frank Sinatra. Personagens amplamente desconhecidos pela maioria do público de televisão, de operários a universitários, o que ocasiona a rejeição dos humoristas pelos números do IBOPE. Caso inteiram ente oposto ao que acontece com as telenovelas, sempre com danatescos números em audiência e com grande repercussão popular. Motivos que levam às honras de ser em censuradas na sede federal deste trabalho em Brasília e serem liberadas depois da visão de muitos capítulos já gravados e dos textos aprovados. Excesso de zelo, porque sabem seus autores e o público que a integridade de uma história depende muito mais da aceitação da audiência do que de alvarás de permissividade. Um extremado amigo, atualmente trabalhando para a média eletrônica, definiu a novela hoje como "algo inicialmente escrito pelo autor e terminado pela Censura." Por isso, no final do Pecado Capital, foi necessário matar o personagem Caricio por ter-se apropriado indiretamente de dinheiro alheio, impedir um seminarista, que ainda não fizera seus votos finais para padre, de deixar a batina para casar, mentir sobre as causas da loucura de uma jovem que fora estuprada pelo cunhado e nem sequer começar o previsível romance de uma branca desquitada com um psiquiatra negro. Tudo, dizem, impedido não por leis ou portarias, mas por telefonemas e pressões. Um trabalho supérfluo, caso tenha realmente sido realizado pela Censura, porque o conservador público destas histórias sabe muito bem defender ou negar situações que não lhe agradam. E como a telenovela é dividida em capítulos e piques - ou será peaks? - de audiência, seus autores muito raramente tendem a desagradar o público e sabem forçar, movidos pelos ventos das circunstancias do consumo imediato, o curso da suas histórias. Mesmo assim, a manipulação da ficção é grave pela camisa-de-força imposta à criatividade do autor. Só que na situação de fato da televisão brasileira, ela chega até a ser irrelevante se comparada com a manipulação da realidade realizada no seu telejornalismo, quase convertido num "aquilo" sem a menor importância. Durante algum tempo os jornais diários tiveram censura prévia; houve até uma semana que o Jornal Nacional, da Rede Globo, chegou a ter 37 matérias vetadas. Atualmente, esta forma desapareceu, mas restaram seus fantasmas. Nenhuma portaria impede aos editores noticiar a realidade e o cotidiano brasileiros, mas todos sabem que existem limites bem definidos e que a sua transgressão pode acarretar severas sanções. Mesmo assim, as estações de televisão de São Paulo produzem noticiário diário de boa qualidade, como o realizado pela TV Bandeirantes, e cerca de quatro programas semanais - Bandeirantes, Tupi e Record - de mesas-redondas sobre política, saúde, educação e problemas graves do país. Naquela cidade, é freqüente encontrar-se na tela as figuras oposicionistas de Paulo Brossard, Franco Montoro, Ulisses Guimarães e Orestes Quércia debatendo os problemas da cidade com políticos da Arena e criticando os Governos municipal, estadual e federal, e sendo por eles respondidos. Tudo em tom elevado e com muitas informações. Um espetáculo inteiramente negado ao público carioca, que da mesma forma que o paulista também se interessa por estes assuntos, como prova o recorde de audiência obtido pelo Jornal Nacional ao noticiar os contratos de risco a serem assinados pela Petrobrás. Mas morrem à mingua de informações porque a estação que aqui predomina, a Rede Globo, preferiu optar por um jornalismo colorido, narrado por aprendizes de ídolos em roupas espalhafatosas, sem nenhuma substancia informativa e que dedica caros e amplos minutos a enterros de cachorros ou instalação do sistema de discagem direta em Goiânia. É uma opção própria, não uma conseqüência de pressão de autoridade, porque estas são as mesmas que atuam em outros canais e em outros Estados e nada pode justificar a renúncia à própria essência do jornalismo que é a noticia. Na falta desta, o telejornalismo da Globo é apenas um intervalo entre duas novelas ou dois filmes. |
Wednesday, January 20, 2010
1976 - Código Brasileiro de Telecomunicações...
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